Artigo: Cadê minha vaga?

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Por: Rodrigo Segantini*

Com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, abriu-se uma nova vaga no STF. O presidente Lula deve indicar quem deve provê-la e, seja quem for, antes de sua nomeação, deverá passar por uma sabatina no Senado, que votará se aceita ou não que assuma tal função. Enquanto isso não acontecer definitivamente, o Supremo Tribunal contará apenas com dez ministros e apenas uma mulher entre os julgadores no plenário – no caso, a ministra Carmem Lúcia. Por isso, há quem defenda que, no lugar de Rosa Weber, deve ser nomeada uma mulher, para garantir a representatividade feminina. Há quem vá além e diga que deve ser nomeado uma mulher preta, para atestar uma política de garantias de igualdade dos estratos sociais nos órgãos de poder.

No entanto, os nomes que voam pelos corredores dos palácios governamentais como postulantes a sucessor de Rosa Weber são todos de homens, destacando-se três até o momento em que esse texto era escrito: Bruno Dantas, atual presidente do Tribunal de Contas da União e amigo do senador Renan Calheiros; senador Flávio Dino, atual ministro da justiça e ex-governador do Maranhão, que é amigo de metade do PT e inimigo da outra metade; Jorge Messias, atual advogado-geral da União e conhecido como “Bessias”, o menino-de-recado de Dilma que levaria a Lula a portaria que poderia evitar sua prisão no tempo em que a Operação Lava-Jato ainda existia e era o orgulho da nação.

Não tenho nada a falar sobre os três, já que, se não for para falar algo de bom, prefiro não falar. Nem é sobre os três que quero falar realmente. O que quero dizer é que sou contra a insistência da patotinha que está batendo o pé e fazendo birra dizendo que o presidente Lula tem que indicar uma mulher preta para substituir Rosa Weber.

A Constituição Federal diz que os ministros do STF devem ser brasileiros natos, com mais de 35 anos e menos de 75 anos, com notável saber jurídico e reputação ilibada. Claro que se presume que, por fazer parte do órgão máximo do Poder Judiciário nacional, é de bom-tom que seja alguém ligado à prática jurídica e que milite profissionalmente nesta seara, mas isso não é uma exigência. Se não é exigido sequer que sejam formados em Direito, nem que sejam advogados, juízes ou promotores de justiça, bastando ter a idade certa, ter ficha limpa, ser querido na praça e mostrar que sabe o que está fazendo, não há qualquer motivo para que seja exigido que o indicado ao cargo seja de determinado gênero sexual, etnia ou tenha certo tom de pele para ser legitimado.

Por outro lado, supondo que o presidente Lula, sensibilizado pelos urros da galera, indique uma mulher preta para o cargo de ministro do STF. Essa pessoa entrará para a história pelo simbolismo deste gesto magnânimo do mandachuva e jamais será reconhecida por seus méritos próprios. Terá chegado à Corte Suprema por ser alguém do sexo feminino e por ter a pele no tom específico, não por ser intelectualmente capacitada, por ter personalidade valorosa ou por ser reconhecidamente admirada por suas qualidades subjetivas. A mulher preta que for indicada por Lula será resumida a seu sexo e sua cor – e isso é um péssimo para essa pessoa em particular e mesmo para a sociedade como um todo.

Quem diz que, sim, deve Lula indicar uma mulher preta para o lugar de Rosa Weber no STF praticamente está defendendo uma política de cotas nas vagas de um órgão político. Logo, teremos que definir também que uma das vagas do Supremo Tribunal deve ser ocupada por um indígena, outra por alguém do segmento LGBTQIA+ e outra por alguém de capricórnio com ascendente em áries. Como exemplo específico, podemos dizer que isso aconteceu recentemente, quando o presidente Bolsonaro indicou o ministro André Mendonça por ser “terrivelmente evangélico” (como se seu currículo se resumisse a isso) e o próprio presidente Lula indicou Cristiano Zanin, que aos olhos de muitos tem como credencial apenas o fato de ter sido seu advogado em sua defesa durante a Operação Lava-Jato.

Não sou contra que Lula indique uma mulher preta ao STF. Sou contra que Lula indique uma pessoa que, apesar de ser brasileiros natos, com mais de 35 anos e menos de 75 anos, com notável saber jurídico e reputação ilibada, tenha como principal e mais meritório atributo o fato de ser uma mulher preta, a despeito de qualquer outro. Daqui a pouco, segmentando a sociedade em grupos cada vez mais específicos e buscando reparar qualquer mazela que essa fração possa ter sofrido no contexto que se encontra, teremos que separar vagas no serviço público e nas instituições sociais não apenas para pretos, para indígenas, para pobres, para terrivelmente evangélicos e para os amigos do rei, como também para os homens-brancos-sudestinos-heterossexuais-viúvos-ítalodescendentes-e-pai-de-um-filho, pois serão uma minoria que, como as milhares de outras que se apresentam, merece atenção. No caso, que eu conheça e saiba, sou seu único representante. Cadê minha vaga no STF para defender os interesses da minha categoria? A verdadeira Justiça não está na representatividade forçada, mas em garantir as oportunidades a todos igualmente.

Que o presidente Lula indique alguém do sexo que for, da cor que for, da classe social que for, mas que, preenchidos os requisitos constitucionalmente previstos, seja apto para trazer a Justiça que nosso país tanto anseia e precisa. Sei que será difícil, mas é por isso que devemos torcer, orar e pedir. Qualquer coisa além disso, é querer jogar para a torcida e fazer uma desnecessária e indesejada militância.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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